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Crème Caramel, o pudim francês

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Crème Caramel, o pudim francês

Senta que lá vem história

Vou dizer uma coisa: não é fácil esse negócio de encontrar as histórias por trás dos pratos. Às vezes, o tema ainda não foi pesquisado (compreensível, não é todo mundo que se interessa pela trajetória dos alimentos – o que, aliás, eu acho imperdoável); a fonte é duvidosa; ou, ainda, eu estou com preguiça mesmo. Digo isso porque eu não encontrei exatamente o contexto histórico da criação desse doce aveludado e aromático, mas sim uma confusão entre crème brûlée, flan, pudim, pudding, custard e crème caramel – ufa!

A verdade é que alguns dos itens representam a mesma receita, com a diferença de alguns toques. Por exemplo: no Brasil, o pudim costuma ser feito com leite condensado; já na França, ele é levemente adoçado com açúcar (e chamado, tãntãntãn, de crème caramel). O que conhecemos por aqui como flan é aquele doce vendido junto com os iogurtes ou preparado em casa com pó pré-pronto; já nos Estados Unidos, flan é pudim (e pudding pode tanto ser um doce quanto um salgado, como o black pudding, que é a nossa morcela).

O crème caramel através dos séculos

Se considerarmos que flan é pudim e que, por sua vez, pudim é crème caramel, eu tenho algo a compartilhar sobre sua trajetória através do tempo:

A história começou na Roma Antiga. O flan preparado por eles era bem diferente deste que comemos hoje: era, frequentemente, servido como um prato salgado; porém flans doces, feitos com mel e pimenta, também eram apreciados. Quando os romanos conquistaram a Europa, eles levaram consigo suas tradições culinárias. Tanto salgados quanto doces, os flans ficaram muito populares durante a Idade Média, especialmente na época da quaresma, quando a carne era proibida.¹

O brasileiro, em função da herança portuguesa, costuma apreciar um doce bem doce: não é por nada que a nossa versão do crème caramel leva uma generosa quantidade de leite condensado. A receita de hoje foge disso – é para paladares mais sutis, que apreciam uma suavidade no sabor. Na receita original, apenas 25 gramas de açúcar adoçavam o creme. Como boa formiga que sou, fui um pouco mais generosa, mas ainda não fiquei satisfeita com a dose. Sugiro que prove e crie a sua própria versão – seja ela mais brasileira ou mais francesa.

Crème Caramel, o pudim francês (receita da Mary Berry, aquela linda)

Para o caramelo

160g de açúcar
6 colheres (sopa) água

Para o creme

4 ovos
1 colher (chá) de extrato de baunilha
80g açúcar refinado
600 ml de leite integral

Antes de tudo, pré-aqueça o forno a 150°C e coloque uma música francesa para tocar (essencial para dar o clima, não pule essa parte). Para fazer o caramelo, coloque o açúcar e a água em uma panela pequena. Mexa lentamente até que o açúcar dissolva: quando estiver transparente, largue a colher, levante os braços e não ouse mais tocar até que a calda fique no tom desejado (dica: eu queimei a primeira calda porque queria uma cor mais escura; ficou uma porcaria, não aconselho).

Coloque o caramelo nas forminhas e deixe esfriar.

Crème Caramel, o pudim francês

Enquanto isso, prepare o creme, começando por amornar o leite. Se você quiser que fique com furinhos (o que eu duvido muito e espero que não seja o seu desejo – caso contrário, nossa amizade acaba por aqui), bata todos os outros ingredientes no liquidificador: ele vai deixar a mistura bem aerada, o que proporciona o tão controverso furinho. Se você for das minhas e prefere um creme liso e maravilhoso e sedoso, bata os ingredientes (menos o leite) com um fouet, de forma gentil, apenas para homogeneizar.

Após fazer a escolha crucial, incorpore o leite morno à mistura. Disponha as forminhas em um refratário com as bordas altas e encha-as com o creme. Como é um doce bastante sensível à coagulação, ele deve ser assado em banho maria (ou seja, é necessário cobrir as formas até a metade de sua altura com água quente). O tempo de forno varia bastante, mas fica algo entre 25 e 35 minutos. O importante é saber a textura que ele precisa ter: ao dar uma leve chacoalhada, ele deve mexer como uma gelatina firme. Se assar de menos, ele vai desmoronar no prato; se assar demais, uma fina camada gelatinosa vai se formar no topo.

Depois de pronto, deixe esfriar e só depois coloque na geladeira. Na hora de servir, é legal passar a parte de baixo da forma pela chama do fogão: dessa maneira, o caramelo vai desgrudar e derreter todo, sem desperdícios e sem necessidade de sair lambendo forminhas. Para ajudar a desenformar, passe uma faca sem ponta nas beiradas.

Crème Caramel, o pudim francês

Escolha um prato bem lindo e sirva aos convidados. Se alguém disser “Que delícia esse pudim”, encha a boca pra falar “Querido, entendo a sua confusão, mas não é pudim: é crème caramel”.

Rendimento: 8 forminhas

OBS: Esse caramelo é diferente dos que ensinei aqui e aqui.

¹Fonte: http://www.foodtimeline.org/

Macarons feitos em casa e a história por trás do biscoito

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macarons feitos em casa

O doce francês mais badalado do momento nem sempre ocupou tão pomposo posto. Segundo a Larrouse Gastronomique, o macaron foi criado em um humilde convento na França, no ano de 791. Alguns, porém, acreditam que ele não é originalmente français (tãntãntãn, babado gastronômico). Dizem que Catherine de Medici, quando se casou com Henry II em 1533, levou a tiracolo sua italianíssima chef confeiteira – e ela teria apresentado ao país o delicado biscoito de amêndoa. Em 1792, os macarons voltaram à boca do povo. Duas freiras carmelitas, em busca de asilo durante a Revolução Francesa, assaram e venderam os biscoitos a fim de pagar pela moradia. As “Macaron Sisters”, como ficaram conhecidas, serviam-nos puros como elas: sem recheio nem sabor especial.

Foi apenas em 1830 que alguém teve a genial ideia de unir dois biscoitos e recheá-los (ainda superando o fato de que demorou mais de 1000 anos pra que isso acontecesse). Os dois discos de biscoito, recheados com geleia, ganache ou qualquer delícia que estivesse dando sopa, foram inicialmente chamados de “Gerbet” ou de “Paris Macarons”. Pierre Desfontaines, neto de Louis-Ernest Ladurée (é, ele mesmo, o humilde proprietário da Maison Ladurée), clama para si a já ovacionada ideia de juntar dois macarons com um recheio. E eu, como quero ir logo para a receita, não vou discutir com ele.

Macarons feitos em casa

200g de farinha de amêndoas
200g de açúcar de confeiteiro
75ml de água
200g de açúcar cristal
160g de claras de ovo (separadas em duas partes iguais)
Corante

Comece batendo a farinha de amêndoas e o açúcar de confeiteiro em um processador (motivo de tamanha frescura: dar uma textura bem lisinha para o macaron). Depois disso, peneire (ô, paciência. Quase desisti nessa parte já, mas daí lembrei quanto que custa cada um na confeitaria. Resignada, continuei o trabalho – e sugiro que você faça o mesmo). Coloque 80g das claras na batedeira e reserve. Leve o açúcar cristal e a água para ferver em uma panela. Quando a temperatura atingir 110 graus (assumindo que a pessoa tenha um termômetro ou um dedo inteligente que resista ao calor), comece a bater as claras. Ao alcançar 118 graus, coloque a batedeira em velocidade alta e adicione a calda em fio. Bata até esfriar e ficar com cara de merengue.

Com vigor, mas com amor

Agora, uma parte controversa e estranha: misture a outra metade das claras (assim como elas saíram da galinha mesmo) na farinha de amêndoas até homogeneizar. Acrescente o corante e incorpore, vigorosamente, cerca de 1/3 do merengue (pense no chefe). Quando estiver homogêneo, acrescente delicadamente o restante, envolvendo com a espátula (pense em fadas). O ponto é mais ou menos assim: firme e texturizado, porém maleável o suficiente para colocar no saco de confeitar. Sobre um silpat ou papel manteiga, molde círculos do tamanho que desejar.

macarons feitos em casa

Depois de acomodados nas formas, os macarons to be precisam do seu sono de beleza (que tem nome chique, croûtage): 30 minutos descansando em temperatura ambiente. Depois desse processo, leve ao forno pré-aquecido a 150°C por 15 minutos, ou até que sua superfície esteja seca e emita um som oco. Por óbvio, ele só vai acontecer se você der batidinhas nos macarons, porque eles não soltam sons por vontade própria. Após retirar do forno, coloque o silpat ou o papel manteiga imediatamente sobre uma bancada fria, o que ajudará no processo de desgrudê (hahaha). Recheie com seu sabor favorito.

macarons feitos em casa

Obs: no meu caso, recheei com geleia de framboesa (comprada, me julguem) e branquinho verde (contraditório isso) de pistache. Delícia demais!

Biscotti de amêndoas para o chá da tarde

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Biscotti de amêndoas

À primeira vista, ele parece simples: um biscoito de amêndoas, de formato alongado e de textura firme, que foge da tradicional redondeza e maciez dos cookies. Observando mais de perto, porém, quando o aroma começa a inebriar os sentidos e a mão, por conta própria, tenta alcançá-lo sobre a mesa, a conclusão é diferente da original: o biscotti não tem nada de comum. As amêndoas levemente tostadas e generosamente picadas fazem par perfeito com o Amaretto que, por sua vez, contrasta com a delicadeza da baunilha. Eles são perfeitos para acompanhar uma reconfortante xícara de chá, que pode – e deve – receber um mergulho dos biscotti, cuja textura amacia delicadamente com o líquido fumegante.

A história do biscotti não é cheia de percalços, mas abriga um fato interessante: sua primeira receita documentada pertence a um manuscrito de centenas de anos, que foi encontrado pelo erudito Amadio Baldanzi no século XVIII. Hoje, ele se encontra preservado na cidade de Prato, na Itália (nem me olhem com essa cara, eu avisei no início que não seria emocionante). Tá, mas e o que raios significa biscotti? Enganou-se o espertinho que pensou que é, simplesmente, biscoito (ou biscotto, em italiano). Do latim medieval biscoctus, quer dizer “biscoito assado duas vezes” (vai saber, né?) e, por ser pouco perecível, era muito consumido durante viagens e guerras. O bom é que, agora, você não precisa ser da legião romana para comer essa delícia: é só ir pra cozinha e arrasar.

Biscotti de Amêndoas (baseado no delicioso Technicolor Kitchen)

280g de farinha de trigo
212g de açúcar demerara
1 ¼ colheres (chá) de fermento em pó
1/8 colher (chá) de sal
3 ovos
2 colheres (sopa) de licor Frangelico ou Amaretto
1 colher (chá) de extrato de baunilha
150g de amêndoas sem casca, tostadas e picadas grosseiramente

Antes de melecar as mãos, pré-aqueça o forno a 150°C e forre uma assadeira grande com papel manteiga (ou, caso você tenha um silpat, essa é a hora de usá-lo em grande estilo). Em uma tigela grande, bata os ovos, o licor e o extrato de baunilha. Incorpore a farinha peneirada, o açúcar, o fermento e o sal e, logo em seguida, acrescente as amêndoas tostadas. Se a massa ficou espessa, grudenta e a vontade de lamber os dedos está grande, parabéns: você fez tudo certo até agora.

Mão na meleca

Transfira a massa para a assadeira/silpat, acomodando-a no formato de um cilindro achatado. Leve a forma ao forno, e esqueça da sua existência (por favor, não me entendam mal: a existência da massa, não a de vocês) por cerca de 50 minutos ou até que firme e seque. Retire do forno o que, no momento, parece um biscoitão desajeitado, e deixe esfriar em cima de uma grade (ou do escorredor de louça, mas daí o problema é seu).

Prepare a forma novamente com papel manteiga (estou dizendo, vale a pena esse negócio de comprar um silpat que custa um milhão de reais e economizar cerca de 5 centavos com papel manteiga. Vão por mim. Tá, vale mesmo.). Enquanto alguém faz o trabalho super legal de untar a forma (quem mandou perguntar se precisava de ajuda? Era isso ou lavar a louça), posicione o cilindro de biscoito em uma tábua livre de cheiro de cebola e corte, com uma faca de pão bem afiada, fatias diagonais de 2cm.

Biscotti de amêndoas

Reacomode as fatias na assadeira e asse por mais 40 minutos, ou até que estejam douradas. Deixe esfriar e guarde em potes herméticos. Se você aguentar e não comer todos em uma tarde fria de inverno, saiba que eles duram por várias semanas quando bem armazenados. De preferência, escondidos.

Biscotti de amêndoas

Buon appetito!

OBS: Eu já havia publicado a última foto em um blog que eu colaborava, o Me Passa o Cardápio. Nesse caso, usei amêndoas laminadas – que não têm o mesmo apelo visual e sensorial das inteiras picadas em lindos e generosos pedaços.

Brownie Sugar Rush

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Brownie sugar rush

Brownie: algo entre bolo e cookie, entre maravilhoso e esplêndido, entre bomba calórica e pico de açúcar. Foram os caprichos de Bertha Palmer, dona do hotel Chicago’s Palmer House, que impeliram o chef do local a criar esse doce tão versátil. Seu pedido foi objetivo: deveria ser uma sobremesa menor que um pedaço de bolo, mas que trouxesse algumas características do mesmo. Toda essa comoção apenas para que as frequentadoras da Feira Mundial de Chicago de 1893 (que situação absurdamente específica) pudessem comer facilmente em seus vestidos de dondoca e suas luvas de pelica e suas boquinhas delicadas (tá, inventei essa parte, mas bem que pode ser verdade).

Mas o que é uma boa comida sem um bom mito? (Muitas coisas, mas eu não sabia como começar a frase.) No caso do brownie, são três histórias que permeiam o imaginário popular: o chef que adicionou chocolate derretido à massa de cookie; o cozinheiro que esqueceu de colocar farinha; e a dona de casa que, sem fermento na despensa, se viu obrigada a servir às visitas um bolo diferente. Os primeiros brownies, lá do hotel, foram feitos com calda de damasco e recheio de nozes – mas só porque, naquela época, não existiam M&M’s, Toblerone, Ferrero Rocher e Oreo*. Delícia.

Brownie Sugar Rush (inspirado no lindo Technicolor Kitchen)

200g de chocolate meio amargo picado
160g de manteiga sem sal
3 ovos
2 gemas
120g açúcar mascavo claro
2 colheres (sopa) farinha de trigo
1 colher (sopa) de cacau em pó
q.b. biscoito Oreo, marshmallow, M&M’s, Toblerone (branco) e Ferrero Rocher

First things first

Antes de abrir os trabalhos, pré-aqueça o forno a 180°C. Forre uma forma de 20cm com papel alumínio, deixando uma sobra do papel para fora, e unte com manteiga e polvilhe cacau em pó. Em uma panelinha, derreta a manteiga e acrescente o chocolate, misturando até formar um creme delicado e cheiroso. Na batedeira (ou no muque, pra quem quiser faltar a academia e se acabar no brownie), bata os ovos e as gemas até que vire um creme claro e fofo. Junte o açúcar e misture até que a massa fique espessa. Acrescente o chocolate derretido (a parte que tiver sobrado, porque eu estou vendo daqui a sua cara toda suja de chocolate. Que feio.) e misture até homogeneizar.

Mas vai tudo isso de guloseimas no brownie sugar rush? Sim.

Peneire a farinha e o cacau sobre a massa e adicione todas as guloseimas (no supermercado, caminhe como integrante da realeza em meio às crianças, que olharão cheias de cobiça para o carrinho e cogitarão trocar de família e voltar com você pra casa. Cuidado). Depois de incorporar tudo com uma espátula (que, claro, será devidamente lambida após o uso), transfira para a forma, posicionando artisticamente alguns doces por cima (dê preferência ao biscoito, porque – dã – as outras coisas derretem. Eu fiz isso e não sobrou nem um M pra contar história – daí eu joguei uns por cima depois de pronto, mas não contem pra ninguém).

Brownie sugar rush

Asse durante 25 minutos – ou até que o centro do brownie esteja úmido e a camadinha de cima dê ares de assado (o que eu quero dizer com isso é: vá no feeling e deixe a cremosidade chocolatística te guiar). Deixe esfriar na forma (a quem estamos enganando, né?) e corte em pequenos quadrados (a quem estamos enganando novamente, né?). É amor à primeira (e segunda, terceira, milésima) mordida. Sério mesmo. Vão por mim.

Brownie sugar rush

E essa caldinha pra finalizar o brownie? Preparem-se, é uma das coisas mais maravilhosas da humanidade.

Caramelo com flor de sal (baseado no inspirador La Cucinetta)

1 xícara de açúcar refinado
1/4 xícara de água
3/4 xícara de nata ou creme de leite fresco
1 colher (chá) de flor de sal

Coloque o açúcar e a água em uma panela pequena e mexa, em fogo baixo, até dissolver tudo. Aguentando a ansiedade, não mexa até que a mistura comece a ficar com uma cor âmbar, o que demora cerca de 5 minutos (cuidado pra não passar do ponto; caso contrário, você terá uma bala dura de caramelo – o que não é de todo ruim, afinal). Acrescente a nata e mexa vigorosamente com um fouet, até que fique homogêneo e lindo. Para finalizar, incorpore a flor de sal e seja feliz. Altamente recomendado regar o caramelo em todos os doces existentes.

Dica: Faça um favor a você mesmo e experimente, também, o brownie sugar rush gelado.

*E o marshmallow? Ah, esse já existia – e eu conto a história aqui.