sexta-feira, março 29, 2024

Madeleines, o bolinho de concha

Madeleines, o bolinho de concha

Com textura macia, aparência delicada e aroma encantador, as madeleines são pequenos bolinhos em formato de concha, que conquistam por sua simplicidade. Suas histórias (no plural mesmo) remontam ao fim do século XVIII e ao início do século XIX, emaranhando-se umas às outras. Como elas têm diferentes planos de fundo, separei em três categorias, podendo o leitor escolher a sua favorita:

Para os clássicos:

O diplomata Charles Maurice de Talleyrand-Périgord (gente ryca adora um nomezinho comprido, né?), conhecido como um dos maiores gourmets da França, convidou Marie-Antoine Carême, o chef dos chefs, para trabalhar com ele. Mas não foi ele quem teve a ideia de usar moldes de gelatina para assar bolos. Jean Avice, confeiteiro que ajudou a lapidar o conhecimento de Carême, foi a mente por trás desse brilhante insight. Mas isso explica apenas por que as madeleines foram parar em luxuosas vitrines parisienses…

Para os mexeriqueiros:

O rei deposto da Polônia, Stanislas Leszczynski, apaixonou-se por uma moça no vilarejo cujo nome era (adivinhem?) Madeleine. Há quem diga que ela era sua criada; outros afirmam que era uma padeira. O que importa é que o amor do ex-rei não findava nas curvas de sua Madalena – ele era também instigado pelos maravilhosos e delicados bolinhos que sua amada assava. Marie, filha de Stanislas e esposa do rei Luís XV da França, depois transformou as pequenas madeleines em atração nacional.

Para os pudicos:

Freiras do convento de Santa Maria Madalena criaram a iguaria (dormi).

Todas essas histórias poderiam ter sido esquecidas, sepultadas pelo inexorável tempo (momento drama), se não fosse uma pessoa: Marcel Proust. No primeiro volume de sua obra Em busca do tempo perdido, Proust narra uma cena carregada de simbologias:

“(…) vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra os meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por quê, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas, que parecem moldados com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro. Levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena.

Mas, no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferente as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal”¹

Assim como para Proust, algumas das memórias mais queridas da minha infância envolvem comida. De algumas, eu lembro do aroma, da textura, do sabor; de outras, eu recordo do momento, das pessoas, das risadas. Certas comidas têm mesmo o poder de proporcionar uma deliciosa viagem no tempo.

Agora vamos à receita porque esse falatório todo me encheu de fome.

Madeleines, o bolinho de concha

Madeleines (receita adaptada do livro Mini Madeleines)

Rendimento: 75 (baby) unidades

2 ovos
150g de açúcar
150g de farinha de trigo
1 colher (chá) de fermento químico
100g de manteiga em temp. ambiente
3 colheres (sopa) de iogurte grego ou natural
2 colheres (sopa) de leite integral

Para sujar pouca louça e exercitar o muque, bata os ovos e o açúcar com um fouet até formar um creme claro e fofo. Incorpore a manteiga e, quando homogenizar, acrescente o iogurte e o leite. Aos poucos, coloque a farinha peneirada e, por último, o fermento. A massa deve ficar mais ou menos assim:

E daí começa o exercício de paciência. Com a menor colher que você tiver em sua cozinha, vá preenchendo as adoráveis forminhas de concha. Se quiser colocar recheio, o trabalho é duplo (e as formas começam a não parecer tão fofinhas assim): faça uma caminha de massa, despeje uma pequeninística quantidade de recheio e cubra com mais massa. Preencha apenas até o limite, para as madeleines manterem seu formato – caso contrário, você terá simplesmente bolo deformado, que foi o que aconteceu com a minha primeira fornada lambuzada (#aclassemédiasofre):

Madeleines, o bolinho de concha

Retomando: para ter madeleines como as da primeira foto do post, preencha com massa apenas até o limite da forma, não faça como na foto acima (esse é um teste para ver quem lê o texto e não olha só as fotos. Estamos de olho). Coloque no forno pré-aquecido a 220°C por cerca de 12 minutos, ou até que elas fiquem levemente douradas. Desenforme e sirva (ou não, eu não sou fiscal do chá da tarde).

Dicas

1. Você pode acrescentar um aromatizante à massa, como raspas de frutas cítricas, essências, extratos, especiarias – a casa ficará ainda mais perfumada;

2. O iogurte é opcional, podendo ser substituído pela mesma quantidade de leite;

3. Madeleines recheadas são ainda melhores que as tradicionais: experimente colocar uma colheradinha de doce de leite, de Nutella ou de geleia na massa;

4. Frutas in natura também ficam deliciosas (não vejo a hora de fazer com blueberries!);

5. Sirva com chá e rememore a famosa cena narrada por Proust;

6. Elas são perfeitas para comer enquanto quentes, pois estão no auge de sua maciez. Caso sobre, guarde em um pote hermético (mas sabendo que elas não ficarão tão boas no dia seguinte);

7. Para uma apresentação refinada, cubra metade das madeleines com chocolate, salpicando amêndoas por cima. Outra opção é servir caldas variadas em ramequins, onde os sortudos comensais poderão mergulhar suas madeleines;

Madeleines, o bolinho de concha

Fontes

¹PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido: v. 1: no caminho de Swann. Trad. Mario Quintana. Porto Alegre: Globo, 1998.

WINTER, James. Quem colocou o filé no Wellington? São Paulo: Editora Melhoramentos, 2013.

Malagueta News

Fine Dining Lovers

OBS: Quer ver outras receitas francesas? Macarons, Financier de doce de leite e Profiteroles.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Primeiramente, a atualização histórica acerca desta delícia me faz apaixonar de cara (quero degustar logo o texto). Depois, claro, muitas risadas, mas é um humor que faz salivar, dá vontade de correr para a cozinha e imitar a façanha. Da forma como “prepara as palavras’ (como uma receita), aguça os sentidos (todos), chego a sentir o cheiro, o bom aroma das misturas na cozinha. PARABÉNS.

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